domingo, 25 de novembro de 2012

Memórias de um Camaro

   A noite escura se expande durante a madrugada, uma leve neblina paira sobre as ruas vazias da grande metrópole. Enquanto caminho sem rumo, entorpecido por drogas pesadas, o vento frio uiva entre os prédios e corre para todos os lados, das ruas aos becos escuros entupidos de "nóias", todos com uma aparência decrépita, vagando como zumbis em busca de algumas pedras de crack....
   A noite sempre é fria quando não se tem um teto para dormir...
   Vago pela calçada enquanto olho para os becos e vejo pessoas, algumas de sexo indefinido, raquíticas, dormindo ou no coma profundo dos entorpecentes, o frio é congelante e o vento forte diminui ainda mais a sensação térmica. Enquanto caminho perdido na minha deslucidez, divago sobre minha vida de antes e depois, lembro dos momentos felizes, das festas, dos amigos, das bebidas, do barulho do motor do meu carro que eu tanto amava, de como minha vida que era vazia, se preencheu de uma hora para outra e, da mesma maneira, se esvaziou novamente.
   Lembro-me de quando vivia naquele minúsculo apartamento no condomínio residencial mais tosco da cidade, estava sempre sem dinheiro, vivia de alguns bicos que fazia por aí, não gostava muito de trabalhar e nem completei o 2° grau, talvez por conta disso não me firmava em nenhum emprego. Tudo o que me interessava é ter um dinheirinho pro final de semana, sair com os amigos, beber até cair, e voltar para casa com minha moto, dirigindo perigosamente pelas ruas, é um mistério eu nunca ter me envolvido em algum acidente.
   Essa época era horrível, sentia que algo faltava em minha vida, sentia que era vazia, talvez o amor daquela mulher, aquela que eu sempre encontrava onde ia, ficava horas a olhando, encantado, mas ela nem me olhava, as vezes dava a impressão de que ela fazia de tudo pra eu a perceber, mas nem sequer me olhava.
   Quando de repente tudo mudou, meu pai que a muito não via, havia falecido, quase nunca falei com ele, só sabia que era rico e que não queria nada comigo. Por ser meu pai, fingi estar triste, fingi algum remorso pelo tempo perdido, pela possibilidade de ter tido um pai algum dia...apenas fingi.
   Por dentro, o que passava pela minha cabeça era a minha herança, me sentia mal por isso, mas não conseguia deixar de pensar em todo aquele dinheiro que o velho me deixou, o quanto minha vida vai melhorar daqui pra frente.
   Passaram-se alguns meses, tudo tinha mudado, vivia em uma mansão, fazia festas quase todos dias, eram festas transcendentais, orgias, mulheres, luxo, vez ou outra aparecia algum jogador de futebol famoso, Neymar era meu amigo de infância. Apesar de tudo, nada alegrava mais meu dia que meu amado carro, até onde me lembro, foi a primeira coisa que comprei com meu dinheiro, pagamento a vista, acho que custou uns R$500.000,00, era um Camaro, igual a aquele do Transformers, pegava qualquer mulher com ele.
   Não me preocupava nenhum pouco com o porvir, tudo no que pensava era em gastar aquele dinheiro infinito, até a moça por quem eu era apaixonado me quis, mas agora eu não era mais aquele pobretão de antes, conseguia qualquer mulher que quisesse, por que perder tempo com aquela periguete?
   Minha vida não era mais vazia, pelo menos era o que eu pensava, apesar de tudo, ainda havia algo faltando, só não sabia o que era, então eu gastava mais e mais, festejava e me embriagava ainda mais, talvez na procura do que estava faltando, não sei.
   É claro que um dia o dinheiro acabaria, eu não trabalhava, nunca estudei, não sabia investir, só sabia gastar e foi o que fiz, gastei até o último centavo. De repente os amigos foram sumindo, as garotas, não me queriam mais, até o Neymar me abandonou, tive que ir me desfazendo de minhas coisas, minha mansão, móveis, tudo. A cada coisa que levavam era como se um pedaço de meu coração fosse arrancado, o que mais me afetou com certeza foi quando tive de vender meu Camaro, aquele carro era parte de mim, era como um filho, era um amigo, o que melhor me compreendia, foi o fim de tudo.
   A bebida já não era o suficiente, eu precisava me entorpecer ou me embriagar, da maneira mais forte e barata possível, minha vida ja estava no fundo do poço, aquele vazio que eu sentia antes, agora era muito pior, nada mais fazia sentido, a priori de minhas preocupações agora era ficar louco, transcender deste mundo, abandonar todas as coisas que aconteciam comigo, o fim chegou rápido.
   Já não tenho mais nada, vivo nas ruas vagando sem rumo, entoxicado, me sentindo um lixo, tentando esquecer meu passado glorioso que agora me assombra como fantasmas, iguais aos que assombravam o dr. Scrooge de "O Natal do Avarento".
   E aquela mulher que nem me olhava? Fazia de tudo pra me perceber, mas nem me olhava? O que aconteceu com ela, por que ainda penso nela?  
 
 
 
 

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